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Como o algoritmo e o público redesenharam o mercado da música

Entenda por que a audiência é hoje o patrimônio mais valioso da música

Musikorama|Rodrigo d’SalesOpens in new window

Ouvinte de música por streaming Imagem gerada por IA

A indústria musical passou por uma transformação profunda — e o que pouca gente percebe é que essa mudança não foi simplesmente tecnológica: foi cultural e social. O público mudou, e quem manda no mercado é, como sempre foi, o público.

Antigamente, quem detinha o poder era quem possuía a música: os fonogramas, os catálogos, os discos físicos, a propriedade da obra. Hoje, o poder está nas mãos de quem detém a audiência. Não adianta mais apenas ter músicas: é preciso ter quem as escute. Ter a música é commodity; ter a atenção do público é o que gera valor.

Streaming: a nova ordem

Spotify: o streaming é a nova ordem Imagem gerada por IA

Essa nova dinâmica fica clara quando olhamos para o streaming. E para entender como chegamos até aqui, é importante lembrar do livro Como a Música Ficou Grátis, de Stephen Witt.


Ele mostra como a popularização da pirataria e da distribuição digital quebrou o valor percebido da música. Depois da luta contra o Napster, as gravadoras venceram no tribunal, mas perderam nas ruas: o público passou a enxergar a música como um produto gratuito.

O streaming, como conhecemos hoje, nasceu para tentar organizar essa nova realidade. Mas isso gerou uma questão fundamental: se o público não aceita mais pagar R$ 20, R$ 30 por um álbum físico, como é possível financiar uma indústria inteira oferecendo milhões de músicas por poucos reais por mês?


Quem paga a conta?

Apps de música: quem paga a conta? Imagem gerada por IA

Hoje existe uma pressão justa por parte dos artistas e autores para que o streaming pague mais direitos autorais. Porém, essa questão não é tão simples como parece.

O Spotify, por exemplo, já destina cerca de 70% de toda sua receita para remunerar direitos autorais, intérpretes, compositores, editoras e gravadoras.


É importante considerar nessa discussão que a plataforma fica com apenas cerca de 30% da receita gerada pelas assinaturas e anúncios. Ou seja, para pagar mais direitos autorais, alguém precisa ceder sua parte.

As gravadoras alegam que já atingiram seu limite mínimo para continuar investindo em novos talentos. Os intérpretes e autores afirmam que recebem menos do que deveriam. E o Spotify, por sua vez, sustenta que não pode abrir mão dos 30% restantes sem comprometer sua infraestrutura e operação global.

Nesse cenário, uma alternativa real considerada seria aumentar novamente o valor da assinatura para o público. Mas aí entra a questão central: o público aceitará pagar cada vez mais? A resposta mais provável é não. Se os preços subirem demais, o risco é que o público abandone o modelo — e volte à pirataria ou a outras soluções gratuitas.

Não há solução fácil.

O novo valor do compositor

Compositor criando uma canção Imagem gerada por IA

Essa realidade afeta diretamente o valor do trabalho do compositor. Certa vez, divagando sobre esse assunto com alguns importantes autores da indústria, me disseram que, décadas atrás, se uma música sua fosse gravada, por exemplo, pelo Roberto Carlos, poderia render um adiantamento imediato de uns R$ 100 mil da editora, direto para sua conta bancária. Hoje, se Roberto Carlos gravasse uma música inédita sua, a editora te ofereceria um adiantamento que dificilmente passaria de R$ 10 mil.

Mas isso não significa que a música perdeu valor — significa que Roberto Carlos, um ícone eterno e incontestável por sua grandeza cultural, talvez já não movimente no streaming a mesma audiência ativa e massiva para ouvir uma nova canção sua, como acontecia no auge da carreira, nos anos 70 e 80.

Se hoje um grande artista como Anitta ou Oruam — que dominam a atenção de milhões de pessoas no ambiente digital — gravasse a sua música, o adiantamento poderia voltar à casa dos R$ 100 mil, ou até ultrapassá-la.

O mercado continua valorizando a música — mas a audiência é que mudou de mãos. O centro de gravidade do sucesso se deslocou para onde está a atenção do público.

Comparando o “preço” da música: discos x streams

Grafico de projeção fonográfica

Outro ponto fundamental para entender a nova realidade: 1 milhão de discos vendidos no passado não se comparam a 1 milhão de plays no streaming. Essa comparação direta é equivocada, porque, antigamente, o valor pago pelo consumidor — e repassado ao artista — correspondia à aquisição de uma unidade física. Já hoje, o valor está atrelado à execução individual de uma única faixa: o play.

Perceba: cada disco trazia, em média, 12 músicas. E quando 1 milhão de pessoas compravam um exemplar daquele álbum e o escutavam repetidamente ao longo de anos, isso gerava uma densidade de consumo altíssima.

Ainda mais se considerarmos que, naquela época, pagava-se por um único álbum, concentrando a atenção do ouvinte nesse conjunto limitado de 12 músicas. Hoje, com o mesmo valor, o ouvinte tem acesso a um universo com mais de 100 milhões de faixas.

Levando em conta a curva de interesse do ouvinte (que tende a cair com o tempo), uma única pessoa geraria, em média, cerca de 1.200 execuções fonográficas ao longo de 12 meses. É como se ela tivesse escutado o álbum umas duas vezes por semana.

Agora multiplique isso por 1 milhão. Assim, 1 milhão de discos vendidos equivalem a cerca de 1,2 bilhões de execuções fonográficas — e não apenas a 1 milhão de plays. A escala é completamente diferente.

O tempo dos algoritmos

Ouvinte de streaming nos tempos do algoritmo Imagem gerada por IA

Mas apesar dessas mudanças radicais, eu olho para o mercado atual com otimismo. Vivi profissionalmente essa transição do físico para o digital, exatamente nesse período em que o antigo mercado dava seus últimos suspiros e o streaming começava a ganhar força.

Quando alguém diz “no meu tempo era melhor”, eu entendo perfeitamente: aquele era o tempo em que a pessoa dominava as regras do jogo. Mas o meu tempo é este, o tempo das plataformas digitais, das playlists e dos algoritmos.

Nesse novo cenário, o algoritmo não é um vilão como muitos pensam. Pelo contrário: é um facilitador essencial, que organiza o caos das centenas de milhares de lançamentos diários e permite aos artistas encontrar sua audiência real. Sem a atuação dos algoritmos e das curadorias digitais, seria impossível navegar nesse mar infinito de conteúdo.

Conclusão: o juiz do sucesso continua o mesmo

No fim das contas, quem continua mandando é ele: o ouvinte Imagem gerada por IA

Hoje, quem deseja sucesso precisa entender claramente que o maior patrimônio é construir audiência. A música sozinha já não gera o mesmo valor do passado, como acontecia por apenas estar na programação de uma rádio, por exemplo; hoje ela precisa de audiência engajada e ativa para crescer e gerar receita nas plataformas.

No fim do dia, é o público que define o que tem ou não valor, é o público quem decide o que merece ou não atenção.

A nostalgia não resolve nada. O passado serve como referência, mas não como destino. A indústria mudou porque o público mudou.

Quem detém a atenção, detém o valor. Quem abraça o presente e entende esse novo modelo, prospera.

O público é o juiz. Sempre foi. Sempre será.

E viver esse tempo, com todos os seus desafios e possibilidades, é mais do que fascinante — é um privilégio.

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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